Terça-feira, 2 de Novembro de 2010

Nasceu sem nada e morreu sem nada

 

Nasceu sem nada e morreu sem nada

 

António Monteiro, foi o segundo filho de um casal que vivia da caridade. O irmão, João, tinha mais dois anos que ele. A casa onde viviam, era um palheiro emprestado, térreo de espaço aberto e de telha vã, muito quente no Verão e muito frio no Inverno. Uma lareira, sem chaminé, num canto, aquecia o ambiente. As camas, enxergas, em cima de uma tarimba, estavam prostradas perto da lareira. Era um lar que tinha pouco mais que zero. Os pais que nunca se preocuparam em arranjar trabalho viviam de esmolas. Saíam de manhã, com saco ás costas e de porta em porta, na aldeia e em aldeias vizinhas, pediam ajuda. Eram bem conhecidos de toda a gente. Com pena, piedade e por caridade as pessoas davam algo do pouco que tinham: Alimentos, na maioria, já cozinhados, roupas e utensílios usados. Raramente, dinheiro. Destas parcas esmolas vivia esta família. Os dois filhos logo que cresceram, seguiram o mesmo caminho.

O António era um miúdo muito vivo. Cedo se apercebeu da miséria em que vivia.  Olhava os miúdos da sua idade e tinha pena de não viver como eles. Sonhava com uma casa como a deles!!!. Sonho esse, impossível de realizar a pedir esmola. Sentia-se o mais pobre dos pobres!!!.

Aos 12 anos conseguiu que um pequeno construtor civil lhe desse trabalho como servente de pedreiro. Embora, o salário fosse muito pequeno, permitiu melhorar substancialmente a vida da família. O irmão, vendo que era melhor ter dinheiro que pedir, seguiu-lhe o exemplo. Com dois salários, já podiam comprar a maior parte do que necessitavam para viver. Recebiam á semana. A meio da semana seguinte, já não havia dinheiro. Os pais gastavam tudo. Acomodados á situação, saíam uma vez ou duas, por semana, a pedir. Basicamente viviam á custa dos filhos!. Foi assim, durante dois anos. Os filhos trabalhavam e os pais ficavam em casa.  Como era de prever não amealhavam nada e continuavam a viver mal.

O João, com 17 anos, começou a ver que assim não melhorava a sua vida. Um dia pôs os pontos nos i´s: - Do meu salário vou-lhes dar metade para gastos da casa, e a outra metade vou juntar. – Disse aos pais. Estes ainda barafustaram, mas tiveram que aceitar. Aos vinte anos, com a profissão de pedreiro, casou e fez uma vida normal. Estabeleceu, dar aos pais, um montante para sobreviverem.

O António queria ir mais longe. Seguiu o exemplo do irmão: Começou a amealhar metade do salário. Mas, era pouco para a sua ambição. Dava voltas á cabeça, tentando descobrir, a maneira de ganhar mais dinheiro!!.

Algumas famílias da aldeia que tinham hortas, habitualmente criavam um animal doméstico para vender: Porcos, cabritos e borregos eram os mais comuns. António pensou nisto, mas não tinha horta!. Ao saber que um proprietário, por motivos de saúde, queria arrendar a sua, nem pensou duas vezes!. Tinha dinheiro, mais que suficiente, que lhe permitiu pagar a renda de um ano. Comprou cinco borregos pequenos. Ao fim de três meses vendeu-os pelo dobro. Comprou mais cinco e fez o mesmo três meses depois. Aos dezoito anos, tinha um bom pé de meia. Mesmo assim, para a sua ambição, achava pouco.

Experimentou encurtar o tempo de criação. Ganhava menos em cada uma, mas vendia mais. Compensava. De três meses passou para mês e meio; de mês e meio para um mês; de um mês a quinze dias; até que se tornou negociante de gado: Comprava e vendia de imediato. Fornecia talhos e andava de feira em feira. Deixou de trabalhar por conta de outrem, á medida que o negócio cresceu.

Aos vinte anos estava por sua conta e risco. O negócio prosperava. Ganhou muito dinheiro. Não era rico mas vivia sem problemas. Não comprou terras, mas fez uma casa, enorme, com todas as comodidades da época.

A força do dinheiro, transformou a sua simplicidade e humildade em vaidade, arrogância, presunção e egoísmo. Não quis os pais a viver com ele. Por descargo de consciência, responsabilizou-se pelo aluguer de uma pequena casa com condições aceitáveis de habitabilidade. Pagava a renda e contribuía com algum  dinheiro para a sobrevivência dos velhos.

Contavam-se muitas histórias, acerca das suas atitudes incorrectas que lhe mereceram o desprezo de muita gente. Gente, que o ajudou a criar, enquanto viveu das esmolas. De todas a mais impressionante foi a que se passou com o seu principal fornecedor de gado, um criador da aldeia. Tinha muitas terras e vivia bem. Criava vacas, ovelhas e cabras. Toda a criação, para venda, era transaccionada com António. Vivendo os dois na aldeia, tornava-se fácil, cómodo e vantajoso.  Como bom negociante, o António não pagava logo. Uma vez, atrasou-se mais que o habitual e o criador foi a casa pedir-lhe o dinheiro. Este era simples, humilde e educado. O calçado que usava era próprio dos lavradores da época: Tamancos. Bateu á porta de António, e quando este respondeu, pediu licença para entrar!.. A resposta foi surpreendente: - Não. Em minha casa não entram pategos que calçam tamancos. Ah!. Desculpa!. Venho ver se me podes pagar os borregos que levaste no mês passado?. – Balbuciou o criador, com espanto!. – Já estava aqui de lado!. Pega!. – Com um obrigado, o criador afastou-se.

Obviamente o homem não gostou!. Já sabia da soberba do outro, mas nunca pensou ser humilhado, daquela maneira, tendo em conta o relacionamento de “negócio” entre os dois. A vingança, do criador foi simples: - No fornecimento seguinte a este episódio, exigiu o pagamento imediato!. Claro que António não gostou, mas teve que se sujeitar!. O negócio era demasiado bom para o perder.

Com muito dinheiro, António começou a ter muitos “amigos”. Com ostentação pagava “copos” e mais “copos”. Com alguns, de fora da aldeia, até grandes petiscadas fazia. “Amigas” também não faltavam. Eram mais que muitas. Com estas, António era muito fraco. Até dinheiro lhes emprestava. Com uns “favores” e umas choradeiras pelo meio, acabava por lho dar!!!.

Com a idade de 70 anos, António, já não conseguia dinamizar o negócio. Entrou em declínio. Os lucros eram cada vez menores!. O custo, de sustentação da “bela” vida e dos amigos era superior ao rendimento. Em dez anos, estoirou o que tinha conseguido arranjar!!!. Vendeu a casa com tudo o que tinha dentro e fez da furgoneta a sua habitação!. Os amigos afastaram-se. Passavam por ele, fingindo não o ver ou conhecer.

Acabou por vender a furgoneta e foi viver, sem ordem, para o palheiro onde nascera, que entretanto tinha sido comprado pelo criador dos “Tamancos”. Este ao vê-lo lá, numa manhã, aproximou-se e disse-lhe: - Oh! António!. Eu podia correr contigo daqui para fora. Só não o faço porque tenho pena de ti!.. … Autorizo-te a ficares o tempo que quiseres!. – E, fixando os sapatos, velhos, que António tinha nos pés, disse: - Quando acabares de romper os sapatos que tens calçados, terei muito gosto em te oferecer uns tamancos. – Voltou-se e foi-se embora, sem dizer mais nada.

Passado algum tempo, António faleceu: Morreu como nasceu!. Sem nada!!!.

publicado por jcm-pq às 17:44
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Quinta-feira, 13 de Novembro de 2008

Faina da azeitona

Nestas duas semanas anteriores, estive ocupado na faina da azeitona. Uma tarefa que já há muito tempo não participava nem via . Antes de iniciar o serviço militar participei em pleno! E, já lá vão quarenta anos! A actividade profissional também não mo tem permitido! Este ano foi o primeiro em que tive disponibilidade para tal!.

Recordei o passado!. Recordei os grandes ranchos (camarada) de homens e mulheres, normalmente casais, que se dedicavam em grupo à tarefa. Eram contratados por proprietários, com grandes olivais, em regime de empreitada ou à jorna. Para os proprietários era a maior fonte de rendimento ao longo do ano. Consequentemente, também, era a tarefa mais bem paga. Era bom para todos.

Os grupos, normalmente constituídos por quinze a vinte elementos, desenvolviam a tarefa de forma organizada. O capataz, responsável pelo grupo, coordenava as acções. Os homens munidos de escadas móveis subiam às oliveiras e ripavam a azeitona que caía em mantas, previamente estendidas pelas mulheres. Logo que terminavam numa oliveira mudavam para outra e assim sucessivamente!. As mulheres além de mudarem e estenderem as mantas apanhavam do chão as azeitonas que por diversas razões não ficavam nas mantas. Os grupos eram alegres. Quando o dia estava a correr bem, cantavam canções populares alusivas à tarefa. Recordo a mais popular: O “sol e dó” - Não te rias de quem chora, ai solidão, solidão! Que a Virgem também chorou, ai, ai, ai, ai…… - Assim dizia a letra!

 

Hoje é diferente. Os grandes proprietários acabaram, após a Revolução de 25 de Abril, em consequência da Reforma Agrária. O regime de pequena propriedade não justifica a formação dos ranchos à semelhança de outrora. Cada família colhe a sua. Quanto muito formam-se grupos tipicamente familiares (irmãos, filhos, primos …) que fazem uma camaradagem agradável. Foi o meu caso. Fizemos um grupo de seis elementos. Bem perto, uma família mais numerosa, formou um bonito rancho de dez. Estes, em dada altura ainda deram um ar de graça ao canto do “sol e dó”. A maior parte não sabia a letra! Mesmo assim gostei de ouvir!

 

E foi assim. Duas semanas numa tarefa que me deixou as mãos em mísero estado, mas que me trouxe muitas, muitas saudades!...

 

Jcm-pq

publicado por jcm-pq às 12:21
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Segunda-feira, 15 de Setembro de 2008

As Vindimas

Anualmente, por esta altura, colhem-se as uvas. É a época das vindimas!. Por todo o país se labuta nesta tarefa. Devido ás particularidades do clima, o início e o fim não é coincidente em todas as regiões. Em qualquer dos casos nunca vão para além do mês de Setembro. Cada região, tem o seu costume e tradição. Há regiões, sobretudo no Norte, que a vindima é uma autêntica época festiva. Logo ao amanhecer os ranchos encaminham-se para as vinhas, em romaria, cantando alegremente. A colheita e o transporte das uvas em cestos, para os tractores, que substituíram os carros de bois de outrora, fazem-se, ao som dos cantares tradicionais da região. Á noite, o esmagamento das uvas, é festa de arromba. Os homens, em calções, perfilados no lagar, abraçados, formam um cordão uniforme, que em movimentos de marcar passo, vão lentamente esmagando as uvas. Também esta tarefa é efectuada ao som dos cantares tradicionais acompanhados de acordeão. Comer e beber não falta. Homens, mulheres, garotos, velhos e novos, todos participam.

As televisões, mostram este espectáculo, digno de se ver. É a alegria, simples, do povo. – É bom, bonito, alegre e interessante, mas é uma amostra em relação a antigamente – Dizem os mais idosos.

As outras regiões: Beiras, Litoral, Alentejo e outras, também têm os seus costumes. Mais brandos, menos espectaculares, mas também têm o seu encanto. Á semelhança do Norte, a colheita é feita por ranchos e o transporte por tractores. O esmagamento por máquina ou manualmente no sarin dão. Só faltam os cantares, como no Norte.

Actualmente até no Norte, o esmagamento, na maioria é feito mecanicamente. As cooperativas de produção de vinho, são as principais responsáveis.

Seja de que modo for, o objectivo é o mesmo. Colher, esmagar as uvas e fabricar o vinho. O importante é que cada região, á sua maneira, mantenha a tradição e continue a realçar o acontecimento. Que em todo o país, por longos e longos anos, a época das vindimas não passe desapercebida.

 

Jcm-pq

publicado por jcm-pq às 12:19
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