Duas senhoras, mãe e filha, idosas, vivem juntas. A mãe, velhinha, com cerca de noventa anos, está entrevada. Faz a sua vida, de dia, numa cadeira de rodas. De vez enquanto, apoiada na sua bengala e com ajuda da filha, com muito custo, lá se endireita e dá uns passinhos. Vê e ouve mal. O ouvido atraiçoa-a. Deturpa-lhe os sons, dificultando por sua vez o seguimento das conversas. Tem, no entanto, apetite e um paladar apurado. Abusa deles, é claro.
Diz a filha e os vizinhos, também, já em idade avançada, que quando nova, foi muito bonita. Agora é uma figura triste, curvada e de cor amarelenta. Usa óculos com lentes muito grossas, de aumento forte, que escondem uns olhos azuis, ainda bem bonitos, mas que vistos através delas, parecem olhos de peixe. O seu nariz, curva em direcção ao queixo aguçado. É uma imagem que condiz com a idade.
A filha, com menos vinte anos, caminha para o mesmo. Ainda tem porte altivo e alguma elegância, mas já se nota curvatura nas costas, dificuldade no andar, falta de vista e ouvido. Á semelhança da mãe, também abusa do paladar apurado. Os seus traços fisionómicos indiciam ter sido uma mulher bonita. Raramente sai á rua, devido ao estado da mãe.
Têm, no entanto, um arsenal de produtos de beleza de fazer inveja: Cremes, loções, blushes, perfumes, batons e vernizes, é o que não faltam. Ambas se servem deles.
A mãe, serve-se do espelho, mas como vê muito mal, de pouco lhe serve. As camadas de creme ou blushes e nódoas de baton são frequentes na cara enrugada. Ainda com uma cabeleira semi-farta, tem cuidados especiais com o penteado: Carrapito (mal feito), cabelo solto e caído, encaracolado (irregular) com rolos manuais são alguns tipos de penteado. São todos feitos por ela. Não larga o pente, a não ser para comer ou tratar da maquilhagem. Por vezes, com a sua mão trémula e enrugada, vê-se a torcer os caracóis com gesto a fazer lembrar a adolescência.
A filha , também se arranja muito bem. Com melhor vista e mais porte cuida-se melhor. Não se vêm nódoas de baton no rosto, mas abusa do blushe, dos cremes e dos vernizes. Arranja o cabelo com frequência, mas mantém o mesmo penteado: Cabelo caído a dar pelos ombros.
Os filhos de uma e netos da outra, pedem-lhes, para não se pintarem tanto. A mais nova, nem responde, ignora e continua a fazer o mesmo. A mais velha irrita-se, revolta-se – O que vocês querem é que não pareça bem!... – Diz ela, quando não amua.
Uma e outra são felizes assim. Sentem-se bem!. Cuidarem da sua imagem, faz parte da sua maneira de ser. Sentirem-se bonitas e cuidadas é viverem melhor!... Serem vaidosas, não é defeito. A vaidade não tem idades.
Jcm-pq